No Brasil, a maior parte da população reside em áreas urbanas. Com o crescimento desses grandes aglomerados humanos, as cidades frequentemente substituem elementos naturais por estruturas como asfalto, concreto e edificações. Esses materiais, por terem alta capacidade refletora, criam um microclima seco e quente, formando as temidas “ilhas de calor”.
Além disso, a compactação e impermeabilização do solo aumentam a predisposição para inundações. A preocupação com esses aspectos ambientais urbanos tem crescido, e a solução para amenizar esses problemas, especialmente os causados pela excessiva impermeabilização, passa pelo tratamento do meio urbano com vegetação, em particular o componente arbóreo.
Mas como podemos medir, avaliar e monitorar esses benefícios e a distribuição da vegetação em um espaço dinâmico como a cidade ? Trabalho clássico elaborado pelo professor Demóstenes Ferreira da Silva Filho visa integrar a resposta está na união da ecologia urbana com a tecnologia de sensoriamento remoto, oferecendo uma visão de alta precisão que permite planejar cidades mais frescas e resilientes.
A Importância Vital das Árvores nas Cidades
As cidades, cada vez mais densas, sofrem com a substituição crescente de elementos naturais por pavimentos de concreto, asfalto e edificações. Esses elementos alteram o balanço de energia e criam um microclima hostil. É aí que a floresta urbana entra em ação. As árvores não são apenas adornos estéticos; elas funcionam como “bombas de água autorreguláveis”.
Videografia Aérea: A Tecnologia por Trás do Mapeamento de Precisão
Coletar dados abrangentes sobre a vegetação de uma cidade inteira, incluindo a confrontação com outras estruturas urbanas como edificações e pavimentos, é um processo oneroso e demorado em levantamentos de campo. O dinamismo das áreas urbanas—com construções, demolições, plantio e remoção de árvores ocorrendo em meses—exige métodos de avaliação rápidos e abrangentes.
Os Olhos Multiespectrais no Céu
O estudo utilizou a videografia aérea multiespectral de alta resolução. Essa técnica de sensoriamento remoto, que utiliza câmeras montadas em aeronaves, permite o levantamento de um grande volume de informações em um curto espaço de tempo e a baixo custo.
Em Piracicaba, foi utilizada uma câmera digital multiespectral (modelo DUNCAN TECH MS 3100) acoplada ao piso de um avião CESSNA, capturando imagens com uma resolução espacial notável de 0,17 m² por pixel. Essa alta resolução, combinada com a boa resolução espectral, permitiu a classificação detalhada de diversas classes de cobertura intra-urbana, como tipos de telhados, pavimentos, piscinas, e, crucialmente, a copa das árvores.
Para garantir a confiabilidade dos resultados, a classificação automática supervisionada foi submetida à estatística Kappa, que avalia a concordância do mapeamento temático com a realidade do campo. Os resultados estatísticos, com valores Kappa entre 80,70% e 89,95% para os nove bairros, atestam a exatidão excelente do mapeamento1.
Decifrando a Qualidade Urbana: O Índice de Floresta Urbana (IFU)
Para traduzir a complexidade da interação entre vegetação, construção e impermeabilização em um valor único e aplicável a políticas públicas, o estudo propôs indicadores compostos.
Os três principais indicadores propostos são:
1. PAI (Proporção Arborizada sobre Espaço Livre Impermeabilizado): Este índice relaciona a cobertura das copas (Espaço Livre Arborizado – ELA) com a totalidade de espaços livres que estão impermeabilizados (asfalto, concreto). Um PAI alto significa que a arborização está conseguindo “tratar” as superfícies que mais contribuem para o calor e o escoamento superficial da água de chuva.
2. PAC (Proporção Arborizada sobre Espaço Construído): Este índice compara a área de cobertura arbórea com o Espaço Construído (EC), que inclui telhados e edificações. Quanto maior o PAC, maior a compensação do verde em relação às estruturas que não podem ser ocupadas por vegetação.
3. IFU (Índice de Floresta Urbana): O IFU é a soma do PAI e do PAC (IFU = PAI + PAC)18. Ele varia entre 0 e 2 e serve como um indicador robusto para valorizar o espaço arborizado em relação a todos os outros constituintes do meio urbano (ruas, calçadas, edificações).
Os valores de IFU próximos ou superiores a 1 são considerados indicadores de boa qualidade de floresta urbana. Para o município de Piracicaba o bairro Clube de Campo, por exemplo, apresentou o maior IFU (1,113), enquanto Cidade Alta registrou o menor (0,445).
O Contraste Urbano: Mais Gente, Menos Verde
As análises de correlação confirmaram uma tendência observada na literatura (o gradiente de floresta urbana): quanto maior a densidade populacional, menor é a oferta de vegetação no meio urbano.
Houve uma correlação negativa entre o espaço construído (EC) e o espaço livre arborizado (ELA), indicando que, à medida que a população aumenta, há uma maior competição do equipamento urbano (edificações) pelo espaço disponível.
Estratégias para Cidades Consolidadas
Onde o espaço construído é elevado (como nos bairros centrais), a arborização em vias públicas e espaços livres impermeabilizados assume uma importância fundamental, pois é ali que as árvores podem ser mais úteis. O asfalto e pisos de cimento em pátios e vias públicas, mapeados pela videografia, representam áreas potenciais para receber arborização e amenizar os efeitos nocivos da radiação e do calor.
Por exemplo, o bairro Centro obteve um índice PAV (Proporção Arborizada sobre Espaço Livre Herbáceo) com valor 1, indicando que o espaço arbóreo não pode mais ser ampliado em áreas permeáveis. Nesses casos, a única opção restante é arborizar os espaços livres impermeáveis, como as vias públicas.
Pontos-Chave e Curiosidades sobre a Floresta Urbana
• Padrão Ideal de Verde: O ideal preconizado por estudos como o de Lombardo (1985) é que 30% da área urbanizada seja coberta por vegetação arbórea, arbustiva ou herbácea para garantir condições climáticas e de qualidade de vida adequadas.
• Excelência no Mapeamento: A precisão do mapeamento temático (exatidão geral e Kappa) foi classificada como excelente (entre 80% e 100%).
• Bairros Mais Verdes: O bairro Clube de Campo demonstrou o melhor desempenho, com o maior Índice de Floresta Urbana (IFU = 1,113) e a maior cobertura de copa arbórea (25,57%).
• Prioridade de Intervenção: Os bairros Cidade Alta e Centro foram identificados como prioritários para a execução de políticas públicas focadas em aumentar a arborização, visando amenizar os efeitos negativos da falta de verde no microclima.
• O Poder da Árvore: As árvores tratam a cidade sombreando superfícies escuras, como o asfalto das vias públicas, e atenuando a temperatura, o que é crucial em espaços densamente impermeabilizados.
Conclusão: Um Caminho para Cidades Mais Saudáveis
O uso de tecnologias de sensoriamento remoto, como a videografia multiespectral de alta resolução, demonstrou ser uma ferramenta eficiente para obter dados precisos e abrangentes sobre a floresta urbana. A possibilidade de gerar indicadores compostos, como o Índice de Floresta Urbana (IFU), transforma dados complexos em informações claras que podem orientar a tomada de decisão.
As descobertas confirmam que o crescimento da área construída e o aumento da densidade populacional são os principais fatores que limitam o verde em nossos bairros. Ao identificar bairros críticos, como Cidade Alta e Centro, o estudo oferece uma base científica sólida para a definição de prioridades. Em vez de aplicar recursos de forma uniforme, a gestão pode agora focar a aplicação de recursos nos bairros mais carentes de arborização, priorizando intervenções onde as árvores serão mais úteis—especialmente em espaços impermeabilizados e vias públicas.


